Aprender hoje a ler e escrever o livro da Vida
- Mara Welferinger

- 10 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de abr.

Durante séculos, quando o “acesso” ao saber estava nas mãos do mestre, o verbo aprender era considerado como sinônimo daquilo que era ensinado e os conhecimentos de base eram os da Escola.
Com os avanços nas pesquisas sobre quem somos, compreendemos agora que a aprendizagem é um processo que se insere na duração. Os termos que Francisco Varela propõe define muito bem o que é aprender. Para ele aprender é “entrar em um caminho de transformação”.
O paradoxo do mundo contemporâneo é que as mudanças que foram ocasionadas pelos avanços da ciência e da tecnologia não provocaram uma transformação conceitual rápida na esfera educacional. Infelizmente, os dados que nos esclarecem sobre a Vida e o Vivente ainda são reservados aos especialistas e são assunto dos biólogos.
A Escola muito preocupada com a eficiência, ainda não conseguiu ver que o Vivente não é nem mensurável, nem quantificável e que a vida cognitiva não pode ser reduzida a previsões, números ou estatísticas.
Aprender, assim como o Vivente, é feito de gestos simples e cotidianos (um encontro, uma palavra, um novo olhar que tecem nossa conexão com o meio ambiente, com os outros e com nós mesmos.
Essa realidade exige que o mundo educacional também se torne aprendente, que ele questione certos conceitos fossilizados (causalidade, objectividade, origem, temporalidade etc.), que ele tire a “poeira” dos debates sobre o verdadeiro-falso, sobre o inato e o adquirido, sobre o real ou a informação como uma entidade; que ele acompanhe o aluno na sua descoberta do plural das palavras “lógicas”, “memórias”, “inteligências”, “linguagens”, “níveis de realidade”..., que ele encoraje a emergência de conceitos novos e dinâmicos: auto-organização, estruturação, potencialização, atualização, complexidade, transdisciplinaridade...
São nessas condições e a esse preço que o aprendente poderá se abrir e participar na redação do Livro da Vida. Lembremos que a palavra “livro” vem do latim “liber”, que significa “a parte viva da casca sobre a qual os escribas escreviam”.
As páginas do Livro da Vida falam de emergência, de inovação, de compartilhar, de renovação, de confiança, interconexão, reconhecimento porque o Vivente é diferente a cada instante, porque ele está em perpétuo movimento, em devir. O mundo educacional tem como papel orientar e acompanhar aquele lhe é confiado, na leitura das palavras-chave do Vivente. O seu papel é justamente construir com os “tijolos” do Vivente as interações entre os parceiros educacionais.
Porque nosso organismo humano é dotado de um sistema nervoso central (nosso cérebro) o nosso funcionamento de base é um laço que conecta nossas percepções sensoriais e nossas ações.
Quando esse laço não é nutrido de sentido, quando não está enraizado em nossa história, quando estamos despojados da relação signo-significado, quando não somos autores daquilo que vemos, compreendemos, sentimos; quando as condições de atualização de todos os nossos “possíveis” não estão presentes, então a violência é liberada, de uma forma ou de outra, violência contra si mesmo, violência contra os outros, violência de uma linguagem cotidiana linear, apressada para dizer, estagnada sob o verbo “ser” (a grande máquina de rotular a realidade), ou encerrado em compartimentos estanques ou esclerosados pelo verbo “ter” (o grande estorvo das nossas relações com os objetos, com os outros e com nós mesmos).
Quando a violência é liberada, a escrita da vida é apagada. Nada é escrito ou lido “em uma duração para além da duração” (uma das definições da Vida). O esquecimento, terrível e mortal, do rosto do Outro impera (reina supremo). Esse mundo faz desaparecer a emergência.
Esse não é o mundo que queremos ajudar a construir.
Um programa inesgotável de conexão aguarda os parceiros das situações educacionais.
O série de ferramentas, abordagens e atividades de conexão é infinitamente vasta, assim como a vastidão daqueles que acompanhamos no seu impulso de aprendizagem, até que eles saibam que eles são um ser em devir. Reconhecer-se em devir não é essa a competência-chave do Vivente?
Ela contém todas as outras chaves e ela se coloca, mais do que nunca, no centro das nossas preocupações educacionais.
Texto escrito por Hélène Trocmé-Fabre (Doutora em Linguística, Doutora em letras e Ciências Humanas. Autora do “Aprendo, logo existo, Reinventar o Ofício de Aprende entre outros).
Tradução: Mara Welferinger




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